Nas favelas, no Senado
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
No Amazonas, no Araguaia iá, iá,
Na baixada fluminense
Mato grosso, Minas Gerais e no
Nordeste tudo em paz
Na morte o meu descanso, mas o
Sangue anda solto
Manchando os papeis e documentos fieis
Ao descanso do patrão
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Terceiro mundo, se foi
Piada no exterior
Mas o Brasil vai ficar rico
Vamos faturar um milhão
Quando vendermos todas as almas
Dos nossos índios num leilão
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Texto: SIGLAS Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
No Amazonas, no Araguaia iá, iá,
Na baixada fluminense
Mato grosso, Minas Gerais e no
Nordeste tudo em paz
Na morte o meu descanso, mas o
Sangue anda solto
Manchando os papeis e documentos fieis
Ao descanso do patrão
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Terceiro mundo, se foi
Piada no exterior
Mas o Brasil vai ficar rico
Vamos faturar um milhão
Quando vendermos todas as almas
Dos nossos índios num leilão
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Autor: Luís Fernando Veríssimo
- Bota aí: “P”
- “P”?
- De “Partido”.
- Ah.
- Nossa proposta qual é? De união, certo? Acho que a palavra “União” deve constar do nome.
- Certo. Partido de União...
- Mobilizadora!
- Boa! Dá a ideia de ação, de congraçamento dinâmico. Partido da União Mobilizadora. Como é que fica a sigla?
- PUM.
- Não sei não...
- É. O “P” atrapalha. Bota “A”, de Aliança. Aliança Inovadora...
- AI.
- Que foi?
- Não. A sigla. Fica AI.
- Espera. Eu ainda não terminei. Aliança Inovadora... de Arregimentação Institucional.
- AIAI... Sei não.
- É. Pode ser mal interpretado.
- Vanguarda Conservadora?
- Você enlouqueceu? Fica VC.
- Aliança Republicana de Renovação do Estado.
- ARRE!
- O quê?
- Calma.
- Espera aí, pessoal. Quem sabe a gente define a posição ideológica do partido antes de pensar na sigla? Qual é, exatamente, a nossa posição?
- Bom, eu diria que estamos entre a centro-esquerda e a centro-direita.
- Então é no centro.
- Também não vamos ser radicais.
[...]
- Partido Ecumênico Republicano Unido.
- PERU?
- Movimento Institucionalista Alerta e Unido.
- MIAU?!
- Que tal KIM?
- O que significa?
- Nada, eu só acho o nome bonito.
- MUMU. Movimento Ufanista Mobilização e União.
- MMM... Movimento Moderador Monarquista.
- Mas nós somos republicanos.
- Eu sei. Mas por uma boa sigla a gente muda.
- TCHAU.
- Partido Ecumênico Republicano Unido.
- PERU?
- Movimento Institucionalista Alerta e Unido.
- MIAU?!
- Que tal KIM?
- O que significa?
- Nada, eu só acho o nome bonito.
- MUMU. Movimento Ufanista Mobilização e União.
- MMM... Movimento Moderador Monarquista.
- Mas nós somos republicanos.
- Eu sei. Mas por uma boa sigla a gente muda.
- TCHAU.
-
Hum, boa. Trabalho e Capital em Harmonia com Amor e União?
- Não, é tchau mesmo.
- Aonde é que você vai?
- Abrir uma dissidência.
- Não, é tchau mesmo.
- Aonde é que você vai?
- Abrir uma dissidência.
TEXTO: AVESTRUZ
AUTOR: MÁRIO PRATA
O filho de uma grande amiga,
pediu, de presente pelos seus dez anos, uma avestruz. Cismou, fazer o que?
Moram em um apartamento em Higienópolis, São Paulo. E ela me mandou um e-mail
dizendo que a culpa era minha. Sim, porque foi aqui ao lado de casa, em
Floripa, que o menino conheceu as avestruzes. Tem uma plantação, digo, criação
deles. Aquilo impressionou o garoto.
Culpado, fui até o local saber se
eles vendiam filhotes de avestruzes. E se entregavam a domicílio.
E fiquei a observar a ave. Se é
que podemos chamar aquilo de ave. A avestruz foi um erro da natureza, minha
amiga. Na hora de criar a avestruz, Deus devia estar muito cansado e cometeu
alguns erros. Deve ter criado primeiro o corpo, que ser assemelha, em tamanho,
a um boi. Sabe quando pesa uma avestruz? Entre 100 e 160 quilos, fui logo
avisando a minha amiga. E a altura pode chegar a quase três metros. 2,7 para
ser mais exato.
Mas eu estava falando da sua
criação por Deus. Colocou um pescoço que não tem absolutamente nada a ver com o
corpo. Não devia mais ter estoque de asas no paraíso, então colocou asas
atrofiadas. Talvez até sabiamente para evitar que saíssem voando em bandos por
aí assustando as demais aves normais.
Outro coisa que faltou foram
dedos para ao pés. Colocou apenas dois dedos em cada pé. Sacanagem, Senhor!
Depois olhou para sua obra e não
sabia se era uma ave ou um camelo. Tanto é que logo depois, Adão dando os nomes
a tudo que via pela frente, olhou para aquele ser meio abominável e disse: Struthio
Camelus Australis. Que é o nome oficial da coisa. Acho que o struthio deve
ser aquele pescoço fino em forma de salsicha.
Pois um animal daquele tamanho
deveria botar ovos proporcionais ao seu corpo. Outro erro. É grande, mas nem
tanto. E me explicava o criador que elas vivem até os setenta anos e se
reproduzem plenamente até os 40, entrando depois na menopausa, não tem,
portanto, TPM. Uma avestruz com TPM é perigosíssima!
Podem gerar de 10 a 30 crias por
ano, expliquei ao garoto, filho da minha amiga. Pois ele ficou mais animado
ainda, imaginando aquele bando de avestruzes correndo pela sala do apartamento.
Ele insiste, quer que eu leve uma
avestruz para ele de avião, no domingo. Não sabia mais o que fazer.
Foi quando descobri que elas
comem o que encontram pela frente, inclusive pedaços de ferro e madeiras.
Joguinhos eletrônicos, por exemplo. Máquina digital de fotografia, times
inteiros de futebol de botão e, principalmente chuteiras. E, se descuidar, um
mouse de vez em quando cai bem.
Parece que convenci o garoto. Me
telefonou e disse que troca o avestruz por cinco gaivotas e um urubu. Pedi para
a minha amiga levar o garoto numa psicólogo. Afinal, tenho mais o que fazer do
que ser gigolô de avestruz.
TEXTO: MEU PRIMEIRO BEIJO
AUTOR: ANTÔNIO BARRETO
É difícil acreditar, mas meu primeiro beijo foi num ônibus, na volta da
escola. E sabem com quem? Com o Cultura Inútil! Pode? Até que foi legal. Nem eu
nem ele sabíamos exatamente o que era "o beijo". Só de filme. Estávamos
virgens nesse assunto, e morrendo de medo. Mas aprendemos. E foi assim...
Não sei se numa aula de Biologia ou de Química, o Culta tinha me mandado
um dos seus milhares de bilhetinhos:
"Você é a glicose do meu metabolismo.
Te amo muito!
Paracelso"
E assinou com uma letrinha miúda: Paracelso. Paracelso era outro
apelido dele. Assinou com letrinha tão minúscula que quase tive dó, tive pena,
instinto maternal, coisas de mulher... E também não sei por que: resolvi dar
uma chance pra ele, mesmo sem saber que tipo de lance ia rolar.
No dia seguinte, depois do inglês, pediu pra me acompanhar até em casa.
No ônibus, veio com o seguinte papo:
- Um beijo pode deixar a gente exausto, sabia? - Fiz cara de
desentendida.
Mas ele continuou:
- Dependendo do beijo, a gente põe em ação 29 músculos, consome cerca de
12 calorias e acelera o coração de 70 para 150 batidas por minuto. - Aí ele
tomou coragem e pegou na minha mão. Mas continuou salivando seus perdigotos:
- A gente também gasta, na saliva, nada menos que 9 mg de água; 0,7 mg
de albumina; 0,18 g de substâncias orgânica; 0,711 mg de matérias graxas; 0,45
mg de sais e pelo menos 250 bactérias...
Aí o bactéria falante aproximou o rosto do meu e, tremendo, tirou seus
óculos, tirou os meus, e ficamos nos olhando, de pertinho. O bastante para que
eu descobrisse que, sem os óculos, seus olhos eram bonitos e expressivos, azuis
e brilhantes. E achei gostoso aquele calorzinho que envolvia o corpo da gente.
Ele beijou a pontinha do meu nariz, fechei os olhos e senti sua respiração
ofegante. Seus lábios tocaram os meus. Primeiro de leve, depois com mais força,
e então nos abraçamos de bocas coladas, por alguns segundos.
E de repente o ônibus já havia chegado no ponto final e já tínhamos
transposto , juntos, o abismo do primeiro beijo.
Desci, cheguei em casa, nos beijamos de novo no portão do prédio, e aí
ficamos apaixonados por várias semanas. Até que o mundo rolou, as luas vieram e
voltaram, o tempo se esqueceu do tempo, as contas de telefone aumentaram,
depois diminuíram...e foi ficando nisso. Normal. Que nem meu primeiro beijo.
Mas foi inesquecível!
TEXTO: PAUSA
AUTOR: MOACYR SCLIAR
- Vais sair de novo, Samuel?
Fez que sim com a cabeça. Embora
jovem, tinha a fronte calva; mas as sobrancelhas eram espessas, a barba, embora
recém-feita, deixava ainda no rosto uma sombra azulada. O conjunto era uma
máscara escura.
- Todos os domingos tu sais cedo -
observou a mulher com azedume na voz.
- Temos muito trabalho no escritório
- disse o marido, secamente.
Ela olhou os sanduíches:
- Por que não vens almoçar?
- Já te disse: muito trabalho. Não há
tempo. Levo um lanche.
A mulher coçava a axila esquerda. Antes que voltasse à carga, Samuel pegou o chapéu:
- Volto de noite.
As ruas ainda estavam úmidas de
cerração. Samuel tirou o carro da garagem. Guiava o carro numa travessa quieta. Com o pacote de
sanduíches debaixo do braço, caminhou apressadamente duas quadras. Deteve-se ao
chegar a um hotel pequeno e sujo. Olhou para os lados e entrou
furtivamente. Bateu com as chaves do
carro no balcão, acordando um homenzinho que dormia sentado numa poltrona
rasgada. Era o gerente. Esfregando os olhos, pôs-se de pé:
- Ah! Seu Isidoro! Chegou mais cedo
hoje. Friozinho bom este, não é? A gente...
- Estou com pressa, seu Raul -
atalhou Samuel.
-
Está bem, não vou atrapalhar. O de sempre. - Estendeu a chave.
Samuel subiu quatro lanços de uma
escada vacilante. Ao chegar ao último andar, duas mulheres gordas, de chambre
floreado, olharam-no com curiosidade:
- Aqui, meu bem! - uma gritou, e
riu: um cacarejo curto.
Ofegante,
Samuel entrou no quarto e fechou a porta a chave. Era um aposento pequeno: uma
cama de casal, um guarda-roupa de pinho;
a um canto, uma bacia cheia d'água, sobre um tripé. Samuel correu as
cortinas esfarrapadas, tirou do bolso um despertador de viagem, deu corda e colocou-o
na mesinha de cabeceira.
Puxou a colcha e examinou os lençóis
com o cenho franzido; com um suspiro, tirou o casaco e os sapatos, afrouxou a
gravata. Sentado na cama,
comeu
vorazmente quatro sanduíches. Limpou os dedos no papel de embrulho, deitou-se e
fechou os olhos.
Dormir.
Em pouco, dormia. Lá embaixo, a
cidade começava a mover-se: os automóveis buzinando, os jornaleiros gritando,
os sons longínquos.
Um raio de sol filtrou-se pela
cortina, estampou um círculo luminoso no chão carcomido.
Samuel dormia; sonhava. Nu, corria
por uma planície imensa, perseguido por um índio montado a cavalo. No quarto
abafado ressoava o galope. No planalto da testa, nas colinas do ventre, no vale
entre as pernas, corriam. Samuel
mexia-se e resmungava. Às duas e
meia da tarde sentiu uma dor lancinante nas costas. Sentou-se na cama, os olhos
esbugalhados: o índio acabava de trespassá-lo com a lança. Esvaindo-se em sangue,
molhado de suor, Samuel tombou lentamente; ouviu o apito soturno de um vapor.
Depois, silêncio.
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